Leia o artigo “A metáfora do Link”, escrito pelo padre Isaías Daniel
Publicado em: 17/03/2018


Link, segundo os dicionários da Língua Portuguesa, é um elemento de hipermídia formado por um trecho de texto em destaque ou por um elemento gráfico que, ao ser acionado por um clique de mouse, provoca a exibição de novo hiperdocumento. Ele é fundamental para a modernidade e para facilitar a descoberta de “novos mundos”. Clicar sobre um link é uma escolha pessoal movida por alguns interesses.

Marielle Franco, vereadora executada no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro é um link! Não se surpreenda, vou explicar. Mulher negra, mãe, pobre, da periferia, militante de partido político e de movimentos sociais, ativista dos direitos humanos. Ela abre para nós a realidade da vida nua e crua. É um link!

Ao clicar esse link, compreendemos o cerne da Campanha da Fraternidade de 2018 – Fraternidade e superação da violência: o impacto da violência estrutural. Essa violência não é aquela do rapaz drogado que invade a casa paroquial e rouba os cabos elétricos. É muito mais complexa e organizada. É a violência da política pensada a partir de grupos econômicos historicamente “colonizadores”. Eles não aceitam as minorias. Pregam em suas rodas de amizade que os pobres são sujos, feios e ignorantes. Os tem como ferramenta de exploração.

Não suportam indígenas, moradores(as) de rua, quilombolas, LGBT, pessoas ligadas aos movimentos sociais por crerem que estes(as) “atrapalham” o desenvolvimento do país. Muito menos gosta de defensores de direitos humanos! Pregam nos palanques e tribunas que a mudança social vem pelas armas, pelo agronegócio e pela concentração de renda nas mãos de poucos. Essa gente não acessa o link Mariele jamais! Procuram de qualquer maneira deletá-lo de sua tela e impedir que outros(as) o acessem. Para eles Marielle é um vírus.

O problema da Campanha da Fraternidade é que a maioria das pessoas não percebem isso. Ficam discutindo como punir o jovem que roubou a carteira da madame na avenida. não consegue enxergar para além de si mesmo(a). A massa dos “crentes” (católicos e evangélicos) pensam com a cabeça de quem detém o poder. Assimila as concepções de mundo da elite. Porque isso acontece? Sempre fomos acuados(as) pela mídia oficial ou por outras, cujos donos tem muito dinheiro e influencia. Acreditamos piamente nelas.

Frequentamos escolas que historicamente nos ensinaram a cultura europeia (“branca”) e nos fizeram assimilar as coisas a partir do pensamento da elite. Lemos pouco o Evangelho de Jesus! A compreensão do mesmo é ainda pior! Acreditamos no jornalismo manipulador e nos livros da educação colonizadora. Trocamos a salvação de Jesus pela salvação “militarista”. Não pensamos a sociedade a partir da base, dos(as) pequenos(as), das minorias. Frequentamos igrejas, mas não entendemos o “Evangelho vivo e verdadeiro”. Mas o link ainda pode ser acessado.

As concepções de mundo, sociedade e ser humano de Marielle não cabem na “caixa blindada” do capitalismo selvagem, representado pela Câmara dos vereadores do Rio de Janeiro que sempre ridicularizava os discursos dela, pelos “católicos e evangélicos” conservadores que adoram as estruturas, as leis internas e os patrimônios de suas igrejas, mas rejeitam o Evangelho e desmoralizavam essa guerreira nas redes sociais. Essa gente não crê em Jesus de Nazaré. Prega contra o aborto e abortam a vidas com inúmeros e sérios preconceitos. Não se comoveu com a morte da vereadora. Pelo contrário, ficou feliz. Uma barreira a menos no caminho.

Mas o link ainda pode ser acessado. Ele nos abre à compreensão da profecia: “Se o grão de trigo cai na terra e não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem se apega a sua vida vai perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna” (Jo 12,24-25). A história de Jesus se repete. O mistério da cruz de Cristo torna-se presente. Matam os profetas! Perseguem os justos! Caluniam os(as) que falam a verdade! “Naquele mesmo momento, Jesus exultando no Espírito Santo exclamou: “Ó Pai, Senhor do céu e da terra! Louvo a ti, pois ocultaste estas verdades dos sábios e cultos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).

Marielle é um link. Entre os links da sua tela, lá ele está. Pode ser que ele lhe incomode. Abramos essa janela. Deixemo-nos renovar pelos ares da luta social entrar. Permitamos que os ventos da justiça e do direito soprem suaves em nosso rosto. Acolhamos a claridade do sol da esperança dos pequenos e excluídos. E, se a coragem permitir, que a torrente do testemunho desta mulher, mãe, brasileira, feminista, negra, humana e ativista caia sobre nós intensamente e lavem as imundícies da hipocrisia, da mentira, da religião que justifica o poder opressão. Acessemos. Não é vírus!

 

Padre Isaías Daniel
Padre incardinado na Diocese de Limeira

Leme, SP